quarta-feira, 29 de abril de 2009

"Quando vires os teus olhos a verem-te,
quando não souberes se tu és tu
ou se o teu reflexo no espelho és tu,
quando não conseguires distinguir-te de ti,
olha para o fundo dessa pessoa que és
e imagina o que aconteceria se
todos soubessem aquilo que só tu sabes sobre ti."

terça-feira, 28 de abril de 2009

- Desenha-me uma flor.
- Não sei desenhar.
Não sei que tonalidades tem o teu perfume.
- Desenha-me uma flor.
Pode ser incolor.
Desde que a desenhes na minha alma...

segunda-feira, 27 de abril de 2009


Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho,
para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

domingo, 26 de abril de 2009

É proibida a entrada a quem não estiver espantado de existir.

Sentaste-te a meu lado.
Era Verão,
um vento estonteante agitava as folhas secas.
Perguntei-te:
"Amas-me?"
. E tu disseste:
"Sabes bem que o amor não é uma resposta".
Labirinto que se fecha em ti

Fecha a porta
lentamente deixa a luz rasgar os cortinados
e escancarar as janelas dos quartos
dirigir os passos pelos corredores
vazios de sombras e de sentidos
á toa
espalha os restos de mim pelo soalho
a vida é um puzzle que nunca se chega a completar
Acende um cigarro
dispara palavras no eco do silêncio
um grito
um apelo
a raiva dos dias que te acende
o olhar
e não há abrigo que se feche sobre ti
senão a lembrança de mim
Mas eu sou um puzzle
de peças soltas
espalhadas á toa pelo soalho
mas eu sou um labirinto de palavras
uma espiral infinita no sentido do nada
Quando chegas
eu já parti.
Nem o Tempo tem tempo
para sondar as trevas
deste rio correndo
entre a pele e a pele
Nem o Tempo tem tempo
nem as trevas dão tréguas
Não descubro o segredo
que o teu corpo segrega
“Dorme,
dorme meu menino
dorme no mar dos sargaços
que mais vale o mar a pino
que as serpentes nos meus braços”
Quis ver o rosto do nada
quando olhei para ver
quem me seguia ou seguiria
enquanto não olhasse
a sombra indecifrada
desta não sei se selva
ou estrada ou talvez praia
ou destino perdido no caminho.

sábado, 25 de abril de 2009

Quando alguém parte,
tem de deitar
ao mar o chapéu com as conchas
apanhadas ao longo do Verão,
e ir-se com o cabelo ao vento,
tem de lançar ao mar
a mesa que pôs para o seu amor,
tem de deitar ao mar
o resto de vinho que ficou no copo,
tem de dar o seu pão aos peixes
e misturar no mar uma gota de sangue,
tem de espetar bem a faca nas ondas
e afundar o sapato,
coração,
âncora e cruz,
e ir-se com o cabelo ao vento!
Depois, regressará,
Quando?
Não perguntes.
"e vou-me embora com ar de borboleta triste,
depois da chuva,
e volto mais tarde de peito cheio de rosas."

na jaula do tempo
a adormecida olha os seus olhos sós
o vento traz-lhe
a ténue resposta das folhas



Além de mim, quero apenas

essa tranquilidade de campos de flores

e este gesto impreciso

recompondo a infância.

Além de mim–

e entre mim e meu deserto –

quero apenas silêncio,

cúmplice absoluto do meu verso,

tecendo a teia do vestígio

com cuidado de aranha.
........ Sou um animal.
Necessito diariamente da transfusão de uma enorme quantidade de calor.
Tocas-me?

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Encostei-me a ti,
sabendo bem que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem,
depus a minha vida em ti.
Como sabia bem tudo isso,
e dei-me ao teu destino frágil,
fiquei sem poder chorar,
quando caí.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Sabemos criar o sossego espesso,
perante o qual
até o tempo pensa que os peixes nadam devagar

sexta-feira, 10 de abril de 2009


A menina translúcida passa.
Vê-se a luz do sol dentro dos seus dedos.
Brilha em sua narina o coral do dia.
Leva o arco-íris em cada fio do cabelo.
Em sua pele, madrepérolas hesitantes
pintam leves alvoradas de neblina.
Evaporam-se-lhe os vestidos, na paisagem.
É apenas o vento que vai levando seu corpo pelas alamedas.
A cada passo, uma flor,
a cada movimento, um pássaro.
E quando pára na ponte,
as águas todas vão correndo,
em verdes lágrimas para dentro dos seus olhos.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Canto do Sonho
Lá onde acaba a montanha,
nos cimos, nem eu sei onde,
vagueei
por onde a minha cabeça e o meu coração
pareciam perdidos,
vagueei ao longe.
....... À infância regressa-se solitariamente,
subindo um rio sem margens,
até ao lugar em que a nascente
se confunde com o tempo
e o tempo se transforma em espanto.....


.....Se eu fosse uma gaivota,
dançaria
na proa dos veleiros
até à hipnose
de abraçar a maresia.

segunda-feira, 6 de abril de 2009



Vivo sobre um fio…

Vivo sobre um fio de aranha esticado entre dois mundos paralelos.
Sou esse fio nesse lar de mentira passo os dias entre o presente e o futuro condicional do verbo maior de todos
O verbo que a morte não conjuga
Eu conjugo.
O verbo que me quer fazer um filho sem pecado, de todos os meus filhos o mais amado.
O filho sonho.
Vivo este fio mentira caverna sombra esta lama esta luta esta lâmina aos pulsos da coragem tatuada
Tudo por um grito em que me evada sem a dor que me resta em cada cicatriz.
Levo a minha fauna para a terra dos sonhos.
Onde não se coma poesia não posso ser feliz.
A vida


A vida é um fruto maduro
que quero morder até ao caroço
Sorver a sua polpa
e senti-la quente
escorregar-me lenta pelo pescoço.

Nadei ao sol

Dei um mergulho no sol na felicidade,
nadei no incêndio das suas águas
rasgando lume e luz em cada braçada
com braços que eram foices de saudade,
matando distâncias enquanto avançava.

domingo, 5 de abril de 2009


O mar rugia como um tigre.
O mar sussurrava aos ouvidos como um amigo a contar segredos.
O mar tilintava como moedinhas no bolso.
O mar troava como avalanches.
O mar soava como alguém a vomitar.
O mar era um silêncio de morte.
E entre os dois,
entre o céu e o mar,
estavam todos os ventos.

Só um murmúrio
que é a voz do mar feita recordação
“Vamos voltar a fingir que a vida é uma substância sólida,
com a forma de um globo, e que a podemos fazer girar por entre os dedos.
Vamos fingir ser capazes de elaborar uma história simples e lógica,
de forma a que, uma vez encerrado um assunto
– por exemplo, o amor –
possamos avançar de forma ordenada para o ponto seguinte.”
Amo a vida simplice das coisas.
Quanta paixão vi desfolhar-se, a pouco e pouco,
por cada coisa que passa.
Mas tu não me compreendes e sorris.
E julgas que estou doente.

sábado, 4 de abril de 2009

Hoje também eu existo.
Sou um fumador de cigarros,
um que bebe mais café do que seria sensato,
que olha para a paisagem
como se não estivesse aqui
mas um pouco mais longe,
num lugar desconhecido,
um para quem o amor
permanecerá a palavra indecifrável.
Debaixo da sombra escura do cipestre
sou um animal de camisa aos quadrados,
um que esqueceu que só uma esperança
nos permite renascer,
que aceita relutantemente receber em si
a vida que passa,
que esqueceu a promessa que ela encerra
e que,
como tal, deve ser cumprida.
Antes de saber é preciso acreditar.
Hoje não tenho forças para tanto.
Assim, também eu hoje existo,
e os que me olham ferem-me
julgando ver o que quer que seja.
Um indivíduo parado debaixo da sombra de um cipestre,
um cigarro apagado na mão,
na expectativa de algo que não chega nunca.
Abraçar
Nenhum sonho custa tanto a abandonar
como o sonho de ter uma alma gémea,
nem que seja noutro canto do mundo,
uma alma tão perto da nossa como a vida. (...)
As duas almas gémeas quase nunca se encontram,
mas, quando se encontram, abraçam-se.
Naqueles momentos em que alguém diz alguma coisa,
que nunca ouvimos,
mas que reconhecemos não sei de onde.
E em que mergulhamos sem querer,
como se estivessemos a visitar uma verdade
que desconfiávamos existir,
de onde desconfiamos ter vindo,
mas aonde nunca tínhamos conseguido voltar. (...)
Quando duas almas gémeas se abraçam,
sente-se o alívio imenso de não ter de viver.
Não há necessidade, nem desejo,
nem pensamento.
A sensação é de sermos uma alma no ar
que reencontrou a sua casa,
que voltou finalmente ao seu lugar,
como se o outro corpo fosse o nosso
que perdêramos desde a nascença. (...)»


Meço-me

Contra uma árvore alta.

Acho que sou muito mais alto,

Pois chego mesmo até ao sol,

Com os meus olhos;

E chego à praia do mar

Com os meus ouvidos.

Todavia não gosto

Do modo como as formigas rastejam

Para dentro e para fora da minha sombra.
Aqui me sentei quieta
Com as mãos sobre os joelhos
Quieta muda secreta
Passiva como os espelhos
Musa ensina-me o canto
Imanente e latente
Eu quero ouvir devagar
O teu súbito falar
Que me foge de repente

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Coloca uma palavra
no vale da minha nudez
e planta florestas de ambos os lados,
para que a minha boca
fique toda à sombra.

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Não ser mais que um cisco de terra:
mas terra viva,
poeira
e aragem.
Ter um casaco feito de estrelas e sóis vagabundos
e um pouco de dia nascido dentro do coração.
......... sei que as tuas mãos ajudariam
a limpar estas lágrimas antigas
por dentro do meu rosto.
É nas costas que se sente a perda.
A parte da frente consegue manter as aparências.
Pelo menos, a nossa cara pode encarar-se no espelho.
É a nuca que sente a solidão.
Podemos abraçar a barriga e enrolarmo-nos à sua volta.
Mas as costas permanecem sozinhas.
É por isso que as sereias e os djinns são retratados com as costas ocas .....
jamais alguém lhes encosta uma barriga quente.
Em vez disso, é ali que trabalha o cinzel de escultor da solidão.
Não se encontra a solidão.
Ela vem por detrás e acerta o passo pelo nosso.
“Há quem sonhe com coisas que aconteceram, e explicam porquê.
Eu sonho com coisas que nunca acontecerão e pergunto:

Porque não?”
"Talvez o céu seja um mar grande de água doce
e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele;
talvez a gente veja as coisas ao contrário
e a terra seja como um céu
e quando a gente morre,
talvez a gente caia e se afunde no céu"

quinta-feira, 2 de abril de 2009


Avistei a boca ao entardecer.
A língua não vinha nos mapas,
mas no palato agrupavam-se diversas constelações
e pertencia-lhes a ventura dos meus dedos.
Não havia notícias de outros povos
nem sequer uma mácula de cerejas.
Plantei o primeiro seio
a que chamámos macieira
e abandonei o ventre
à generosidade vegetal.
Nessa noite dormimos por dentro e por fora
do mundo.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Atravesso, majestosamente, o verão em voo planado,
as crianças olham para as minhas asas
e sentem inveja,elas não podem adivinhar
o preço deste aniquilamento.
Quantos invernos, massacres, misérias
conheci!
Quantas vezes a minha fronte derreteu ao tocar
a terra!
Às portas das cidades, quantas vezes me deixaram
sozinho, em frente a um espelho!